quarta-feira, 3 de junho de 2009

Formigas-de-fogo e o Deus da ignorância

Corria o ano de 1518 quando surgiu uma praga de formigas-de-fogo numa colónia da coroa espanhola nas Américas. De acordo com Edward Wilson na sua obra Criação, foi Frei Bartolomeu de Las Casas quem escreveu sobre o assunto na sua obra História das Índias. Frei Bartolomeu escreveu:

«Esta praga era um número infinito de formigas que [...] mordiam e causavam mais dor do que as vespas que mordem e causam dor aos homens. Eles não se podiam defender destas formigas à noite, nas suas camas, nem conseguiam sobreviver se as camas não fossem pousadas em quatro pequenas covas cheias de água.[1]»

Mais à frente continua escrevendo:



«À medida que os cidadãos de Santo Domingo viam crescer o sofrimento causado por esta praga, que lhes provocava tantos danos, e como não tinham como lhe pôr fim por meios humanos, concordaram em pedir a ajuda do Tribunal Supremo. Fizeram grandes procissões implorando a Nosso Senhor que os libertasse de tal praga, tão prejudicial para os seus bens materiais. Por forma a receberem mais rapidamente a bênção divina, lembraram-se de tomar um santo por defensor, aquele que, pela mão do Senhor o acaso viesse a declarar como mais adequado. Assim, um dia, finda a procissão, o bispo, o sacerdote e toda a cidade deitaram sortes para determinar qual dos santos da litania a Divina Providência entenderia por bem atribuir-lhes como advogado. Caiu a sorte sobre S. Saturnino, e, recebendo-o alegremente como seu patrono, celebraram-no com um banquete solene, que repetem todos os anos desde então...[2]»

Uma vez mais a ignorância humana acerca da natureza reflectiu-se em crenças religiosas cegas e fúteis cuja única finalidade é dar-nos algum conforto relativamente à crueldade do mundo da nossa ignorância.

A praga apareceu pela primeira vez após os espanhóis terem colonizado aquela área. Até esse momento, o povo local, os Taínos, nunca tinham sofrido com nenhuma praga daquele género. Poderemos pensar que os espanhóis levaram as formigas para a ilha. Mas estas já lá se encontravam quando os espanhóis chegaram pela primeira vez.

Curiosamente sabe-se que as formigas-de-fogo protegem outros insectos como pulgões, cochonilhas, afídeos que são insectos homópteros. Existe uma relação simbiótica em que em troca de protecção os insectos homópteros oferecem às formigas «um excremento líquido rico em açúcar e aminoácidos».

Segundo se pensa actualmente, os espanhóis devem ter levado para a ilha novas formas de homópteros que, sem terem predadores ou parasitas que os destruissem, criaram colónias muito densas. As formigas aumentaram o seu número de modo a proteger esses novos homópteros e a recolherem o açúcar e os aminoácidos. O seu número cresceu até se tornarem pragas. Mais uma vez Deus é uma explicação desnecessária.

NOTAS FINAIS



[1]
WILSON, Edward; A criação; ed. Gradiva, colecção ciência aberta, nº 164, ISBN 978-989-616-212-2, 1ª edição, Lisboa, 2007, pág. 57.



[2]
WILSON, Edward; A criação; ed. Gradiva, colecção ciência aberta, nº 164, ISBN 978-989-616-212-2, 1ª edição, Lisboa, 2007, pág. 58-59.

2 comentários:

  1. cara tou adorando seu site. Muitos textos variados um grande sentido de humor e muita coragem para publicar alguns textos. Continua assim. huahuahuahuahuahua

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  2. Obrigado. lol A coragem obtêm-se rapidamente quando somos anónimos. hahahahahahahaha

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