quarta-feira, 28 de maio de 2008

A minha geração rasca - parte IV

No entanto, na medida em que criou uma vida social independente, a minha geração tornou-se uma geração adulta dependente financeiramente dos pais e estes uma população envelhecida dependente tecnologicamente dos mais novos.

As dificuldades de arranjar emprego, os baixos ordenados, os impostos elevados, os custos de manutenção de casa, carro, computador, electrodomésticos e outros são elevados. O aparecimento de filhos ainda dificulta mais as contas à vida. Somos cada vez mais bem formados mas saímos cada vez mais tarde de casa dos pais. Os investimentos em educação que estes têm de fazer são cada vez maiores sem aumentarem a certeza de um futuro condigno aos filhos. Os pais sustentam-nos durante mais tempo e ajudam-nos bastante após sairmos de casa.

Contudo, são cada vez mais dependentes tecnologicamente de nós. O meu pai não sabe conduzir, nem funcionar com um telemóvel. E se não for eu ou as minhas irmãs têm muita dificuldade em funcionar com o computador (que precisa). A minha mãe sabe conduzir e sabe atender chamadas no telemóvel. Mas não sabe fazer mais nada no telemóvel e nem sabe ligar um computador. Os meus pais teriam muito mais dificuldades se não fossem os filhos a fazer as transferências bancárias, a pagarem o telemóvel via Multibanco ou a resolverem problemas no computador.

Só eu e as minhas irmãs sabemos fazer as 3 coisas. E não olhamos para elas como um luxo desnecessário ou uma facilidade que nos foi concedida pelos nossos pais mas como uma necessidade para sobrevivermos nesta sociedade. Foi com a minha geração, pela primeira vez na história da humanidade, que se institui-o um sistema onde os mais novos são dependentes financeiramente dos mais velhos, os mais velhos são dependentes tecnologicamente dos mais novos mas ambos possuem vidas sociais independentes.

Isto levanta vários problemas. Nas sociedades tradicionais os idosos tem um grande valor pois o conhecimento e a experiência é essencial para a sobrevivência da tribo ou da aldeia. Esta experiência complementa-se com a força dos mais novos. Na cidade dos nossos dias a experiência dos nossos pais não se adequa às nossas necessidades e os seus valores e conhecimentos não nos ajudam a resolver muitos dos problemas que se nos colocam. Este problema tem vindo a aumentar ao longo das gerações, mas na minha geração, que marca uma transição de um sociedade quase estável para uma sociedade em constante transição o problema condensou-se.

No tempo dos meus pais ganhava-se dinheiro porque se trabalhava. Na minha geração ganha-se dinheiro para se poder trabalhar. Cada vez é mais importante investir grandes recursos financeiros no desenvolvimento e actualização dos nossos conhecimentos. São necessárias pós-graduações, mestrados, doutoramentos, simpósios, palestras, livros e outros. Estes bens ou actividades são bastante dispendiosos mas necessários para nos mantermos em luta num mundo em constante mutação e onde a competição é muito elevada. Em Portugal o problema é mais grave. Ainda nos encontramos na transição de uma sociedade rural e pobre para uma sociedade desenvolvida e baseada no conhecimento. É comum as pessoas serem obrigadas a investir grandes somas de dinheiro no aperfeiçoamento curricular e depois não arranjarem emprego porque tem qualificações em excesso.

O maior problema e que marca uma grande diferença relativamente aos nossos pais está neste mesmo ponto. As nossas mentes altamente educadas só tem futuro no estrangeiro. Temos a maior fuga de cérebros da União Europeia. No tempo dos nossos pais a imigração era constituída, principalmente, por pessoas de baixo nível sócio-económico. Actualmente a imigração é caracterizada pelo nível de inteligência e sucesso escolar dos imigrados.

Nos tempos dos nossos pais a maior crise do nosso país era o analfabetismo. No nosso tempo é a iliteracia. Encontramo-nos no momento de transição onde a nossa vasta cultura literária tem de ser ultrapassada pela 3ª cultura; a cultura cientifica.

A minha geração foi caracterizada por um país governado por pessoas que não compreendiam as lições do passado e não se sabiam adaptar ao futuro. Só agora se começam a levar em linha de conta alguns destes problemas e se começa a investir seriamente em ciência e tecnologia.

Sem comentários:

Enviar um comentário