Lógicas literalistas - ler e compreender a Bíblia

Continuando a pensar na discussão passada do Saramago contra o Carreira das Neves, o Advogado do Diabo não conseguiu conter-se em partilhar mais um pensamento sobre o assunto.

Se o Saramago, ou outra pessoa qualquer, decidir ler a Bíblia de forma literalista então as suas conclusões saem erradas porque a forma como se lê a Bíblia é errada. Por exemplo, o Advogado não pode pegar em muitas particularidades da história de Moisés ou Josué, onde Deus se comporta como um assassino psicopata, porque isso é fazer uma leitura fundamentalista dos textos bíblicos. É ler à letra, somente à letra e nada mais que a letra.

Por exemplo, os textos em que Moisés e Josué defendem genocídios, violações em massa e escravidão reflectem a história da luta de povos em vários níveis. Sejam lutas pelo território, lutas entre facções politeístas e monoteístas, lutas contra povos invasores ou invadidos com deuses diferentes, etc… Portanto não significa que Deus seja realmente a besta assassina que dá a entender com a leitura literalista. O seu povo escolhido é que era a besta.

O Advogado compreende estes argumentos perfeitamente. No entanto ficam umas interrogações. Permitam levantar estas interrogações criando uma história paralela à história humana.

Vamos supor que o Advogado pega na história do holocausto e decide escreve-la juntando meia dúzia de personagens celestiais, como o deus Yahvee e outros deuses como Agar ou Baal. Depois de escrita a história o livro é vendido como um livro sagrado que fala da relação de Deus com um povo escolhido – neste caso os cristãos. Esse livro, depois de manipulado para se introduzirem personagens celestiais (semelhante a uma Odisseia de Homero) além de sagrado é considerado como um livro de não ficção e o seu deus como o deus do amor, um ser omnipotente e omnipresente.

O Advogado até pensou em algumas frases imponentes à boa maneira do Antigo Testamento:

Goebbels «disse ao povo, “Gritem, porque o SENHOR vos deu a…» Polónia. «E…» o País «…e tudo o que está dentro…» dele «…será consagrado ao Senhor para destruição … Mas toda a prata e o ouro, e vasos de bronze e ferro, são sagrados para o Senhor [are sacred to the LORD], eles devem ir para o tesouro do Senhor “. … para construir a sua cidade sagrada, a Nova Berlim.

E o Senhor disse a Hitler: «são um povo pecador. Entre eles não existe um único puro. Irei castigá-los e enviá-los para as câmaras de gás. E assim fez o Senhor. E milhões morreram nas câmeras de gás.»

Passados 2 milénios de perseguições religiosas e de atentados contra a dignidade humana sem paralelo com base no que está escrito no fictício livro sagrado, alguém decide criticar o deus desse livro porque ele tem um comportamento psicótico e desumano. Provavelmente essa pessoa dirá:

“como é que se pode dizer que Deus é omnipotente quando permitiu que o seu povo escolhido massacrasse 6 milhões de inocentes?”

“Onde está o deus do amor no meio das histórias sagradas sobre as camâras de gás?”

“Que tipo de deus é este que permitiu que milhares de crianças fossem estupidamente assassinadas, milhares de mulheres violadas, milhares de idosos espancados até à morte de um forma brutal?”

E quando levanta essas interrogações, algum teólogo iluminado lhe diz:

“isso é uma leitura muito literalista do livro sagrado. É uma leitura errada. Tem de compreender que essas histórias reflectem a luta de 2 povos, tem de compreender o contexto em que foram escritas, blá, blá, blá.”

E quando outro intelectual mais revoltado desabafa dizendo:

«um deus que tenha feito isto é um filho da puta.»

O teólogo responde:

«Sinceramente, não gostei.»

A questão que o Advogado pretende levantar é esta: isto tem alguma lógica para o leitor? Este livro seria sagrado para si? Que valor daria a este tipo de deus inventado? Que credibilidade teria esta classe sacerdotal? Que significado se poderia apreender da teologia baseada na exegese deste texto sagrado?