quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Quem é cientista? – parte II

A história da pulga é a melhor para tentar explicar o método e a forma como se pensa em ciência. Vamos supor que temos uma pulga que obedece às nossas ordens. Dizemos à pulga para saltar e ela salta. Desenvolvemos então a teoria de que a pulga tem os ouvidos nas pernas. Para provar essa teoria cortamos as pernas à pulga e ordenamos-lhe que salte novamente. Desta vez a pulga não salta. A nossa teoria fica provada: a pulga tem os ouvidos nas pernas.

Pensar em termos científicos consiste em tentar encontrar falhas neste tipo de pensamento. Podemos questionar-nos sobre uma série de coisas: (1) poderão as pernas ser as responsáveis pelo salto e, como tal, a pulga ouve-nos mas não consegue saltar?; (2) poderá existir um mecanismo nas pernas que conduza informação do ouvido para outra região responsável pelo salto e esse mecanismo ter ficado interrompido?; (3) poderá esta pulga ser um caso isolado e outras pulgas serem capazes de saltar sem pernas?. Estes são 2 exemplos da forma como se pode abordar o caso.

Na prática a nossa abordagem poderia passar por seleccionar um grupo grande pulgas e cortar as pernas a todas. Depois de observarmos que elas não saltavam poderíamos concluir que as pulgas sem pernas não saltam. Mas não poderíamos concluir que a pulga tem os ouvidos nas pernas. Noutra experiência cortávamos a cabeça às pulgas. Novamente elas não saltavam. Logo as pulgas não saltam se não tiverem cabeça e/ou pernas. Mas isto não nos diz nada sobre o sistema de impulso para saltar das pulgas nem sobre o seu sistema auditivo.

Precisaríamos de outras abordagens. Poderíamos cortar as pernas às pulgas e ordená-las que movessem a cabeça para a direita ou para a esquerda. Desta vez as pulgas obedeciam às ordens e começavam a mover a cabeça. Automaticamente poderíamos concluir que os ouvidos não se encontram nas pernas. Neste caso teríamos vários dados importantes:
1 – pulgas sem pernas não saltam;
2 – pulgas sem cabeça não saltam;
3 – pulgas sem pernas obedecem a ordens e movem a cabeça mas não saltam.

Estes 3 dados já nos permitiriam concluir algo acerca da anatomia da pulga:
1 – se as pulgas sem pernas ouvem mas não saltam, logo as pernas são responsáveis pelo salto e os ouvidos da pulga não se encontram nas pernas;
2 – se as pulgas sem cabeça não saltam e se as pulgas com cabeça obedecem a ordens, logo os ouvidos devem estar situados na cabeça.

No fundo o cientista não é definido pela sua profissão, pelos canudos que ostenta ou pela área de estudo mas pela forma como vê o mundo. A ciência é uma forma de pensar, é uma filosofia de vida que aceita a natureza e a capacidade de raciocínio do homem como a sua fonte de espiritualidade central e nega outras formas de pensar assentes em dogmas inacessíveis ao estudo e ao raciocínio.

A questão central permanece: quem é cientista? E essa questão só pode ser resolvida ao longo da nossa vida de acordo com a forma como vemos o mundo. Na nossa sociedade cataloga-se tudo como ciência. Temos as ciências sociais, as ciências humanas, as ciências holistas, as ciências ocultas, as ciências exactas, etc…. Procura-se recorrer ao termo ciência e cientista para ganhar credibilidade e não para se estudar ou compreender o mundo como ele é. A base da ciência e do pensamento do cientista é o cepticismo informado aliado a uma luta incansável nas fronteiras do nosso conhecimento e da nossa ignorância.

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