quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

D. José Policarpo e o casamento com muçulmanos

Janeiro foi marcado por algumas declarações do cardeal D. José Policarpo. De forma frontal decidiu desaconselhar o casamento com homens muçulmanos (mulheres com homens entenda-se!!!). Afirmou explicitamente:

"Cautela com os amores. Pensem duas vezes em casar com um muçulmano, pensem muito seriamente, é meter-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde é que acabam"[i]

Esta afirmação desencadeou uma série de respostas e deu mote a jornais e revistas para novos artigos. Também falou sobre a dificuldade de diálogo com os muçulmanos fazendo algumas afirmações reveladoras:

"Só é possível dialogar com quem quer dialogar, por exemplo com os nossos irmãos muçulmanos o diálogo é muito difícil... Mas é muito difícil porque eles não admitem sequer [encarar a critica que pensam] que a verdade deles é única e é toda"[ii]



Por estranho que pareça aos meus leitores, concordo com quase tudo o que o que o Cardeal disse. Considero um perigo o casamento com muçulmanos e muito mais quando a mulher é levada para o país do marido e tem filhos dele. Existem tantos casos já descritos que não compreendo como é que algumas mulheres continuam a fechar os olhos a estas situações.

No entanto, não creio que o Cardeal tenha analisado o problema de fundo. A crítica feita aos muçulmanos de que não conseguem encarar outras possibilidades que não seja a sua fé é correcta. O fundamentalismo graça nas fileiras muçulmanas. E por fundamentalismo, não precisamos de pensar só em bombistas suicidas. Basta pensar na forma como são tratadas as mulheres, os direitos cívicos de grupos minoritários como homossexuais que são perseguidos e mortos em muitos países muçulmanos, etc...

Uma notícia reveladora que saiu em inícios de Abril dizia respeito ao Afeganistão. O 1º ministro afegão, Karzai, terá aprovado uma lei, para agradar aos religiosos xiitas, que permitiria a violação no casamento e em caso de queixa dando mais poder à defesa do violador do que a vítima. Só as diferentes pressões internacionais permitiram que essa lei fosse revista. O que esperar da felicidade de uma mulher quando a violação e todo um outro conjunto de práticas atentórias à dignidade humana são permitidas?

Contudo, o problema não está em casar com muçulmanos. É verdade que os muçulmanos tem práticas completamente desprezáveis aos nossos olhos. Mas atenção porque os nossos olhos são laicos. E o Cardeal esqueceu-se deste pequeno pormenor.

O problema dos muçulmanos é o excesso de religião e a falta de laicismo. Critiquei os muçulmanos por perseguirem homossexuais e não desenvolverem os direitos das mulheres. Mas qualquer sociedade extremamente religiosa faz o mesmo. Os sectores mais religiosos da Índia apresentam práticas igualmente ridículas contra esses grupos. Mesmo nos EUA, nos estados republicanos, onde a religião tem maior impacto na vida das pessoas, se observam comportamentos e a defesa de práticas menos humanas.

O Cardeal deveria ter aconselhado as mulheres a não se casarem com homens provenientes de famílias muito religiosas. Em todas as religiões a mulher tem um papel submisso e são tratadas como seres inferiores.

A Igreja católica não aceita o divórcio - mesmo se essa mulher estivesse a ser mal tratada - nem permite às mulheres religiosas (freiras) uma série de direitos e privilégios que pertencem, tradicionalmente, aos homens. Basta saber que as mulheres não podem dar missa.

Não digo com isto que a Igreja trata as mulheres da mesma forma que os muçulmanos. Digo que não consegue tratá-las desta forma porque a sociedade laica não lho permite. Basta procurar pela história algum momento em que a Igreja detivesse grande poder sobre a sociedade e procurasse defender os direitos das mulheres. Se a Igreja tivesse poder, muitas mulheres seriam obrigadas a aguentar espancamentos e violações sem direito a divórcio. E mesmo sendo o divórcio a sua única hipótese de defesa facilmente se veriam discriminadas por todo o resto do tecido social impregnado de doutrinas religiosas.

O ataque do Cardeal visa os direitos humanos mas é também um ataque religioso. Na realidade o Cardeal procura mascarar o ataque religioso apelando ao nosso humanismo secular. Não significa que ele não esteja realmente preocupado com essas mulheres. Digo que se a sua principal preocupação fosse essa então, talvez fosse melhor desaconselhar casamentos com homens católicos extremamente religiosos com algumas facções fundamentalistas que dominam o Vaticano. Falo, obviamente, da Opus Dei.

Para terminar este artigo gostaria de chamar atenção para um ataque cínico feito pelo Cardeal de Lisboa. É verdade que os muçulmanos são incapazes de encarar qualquer outra crença religiosa como verdadeira! Mas existe alguma religião que o consiga fazer? Mesmo com a abertura religiosa do Papa João Paulo II, impregnada de paternalismo condescendente, a verdade é que nenhuma religião, na sua essência aceita outra religião. Nem pode. Isso seria colocar em causa a existência de um único Deus, o Deus verdadeiro e essência de toda a religião.

A afirmação que faz de Alá é exemplo disto mesmo. Quando afirma que as mulheres arranjam trabalhos que nem Alá sabe onde é que vão parar, está a retirar a santidade de Alá num discurso pateticamente condescendente. A verdade é que nem o Cardeal consegue encarar o facto da sua verdade não ser toda e total. Seria interessante ouvir o Cardeal ou alguém das altas esferas políticas do Vaticano falar com esse desprezo e desleixe do seu próprio Deus.

As mulheres devem ter cuidado a seleccionar os maridos, não por serem muçulmanos e sim por serem extremamente religiosos. Sim, deveríamos ter mais cuidado a olhar para os corações uns dos outros.

NOTAS FINAIS



[i]
Global noticias, 5ª feira, 15 de Janeiro de 2009, pág. 4

[ii]
Idem, idem

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