sábado, 8 de agosto de 2009

Dissidências no Minho

Recentemente saiu uma noticia no jornal sobre o despedimento do professor universitário Daniel Luís da Universidade do Minho (UM) devido à descoberta de que o mesmo teria um blogue onde satirizava a religião e algumas figuras nacionais. Bem, a história não é exactamente assim: segundo li, há ano e meio, esse professor foi obrigado a fechar o seu blogue pela Universidade. Após o caso ter vindo cair nas mãos da opinião pública a Universidade decidiu permitir a reabertura do blogue. Contudo após o renascimento do blogue, o autor viu-se discriminado pelos seus colegas e viu-lhe negado o biénio que todos os alunos de doutoramento têm direito.

Peço desculpa se pareço tão egoísta. No entanto eu também tenho um blogue onde, devido ao seu conteúdo, mantenho secreta a minha identidade (dou um chupa-chupa ao leitor se descobrir o nome desse blogue). Como tal não consegui fingir desinteresse por este caso, que sem ser meu, me atinge igualmente. Infelizmente muitas pessoas não sabem fazer a diferença entre um blogue de sátiras e a nossa competência noutras áreas. Nem conseguem conceber uma pessoa culta com vários interesses, mesmo que muitos desses interesses sejam considerados brejeiros por uma comunidade intelectual mais snob.

Deixei uma mensagem de apoio no blogue Dissidências (é o nome do blogue. E como o autor trabalhava na Universidade do Minho decidi intitular este texto “Dissidências no Minhos”. Percebeu? Este meu sentido de humor mata-me!) e decidi que teria de publicar um artigo de apoio.

Qual a razão que me leva a apoiar o Dissidências? É simples. Os blogues deram um oportunidade única a muitos portugueses de se manifestarem e desenvolverem o seu espírito criativo sem medo de represálias, por parte de uma cultura mais fechada e tacanha. O facto de muitos bloggers (eu incluído) se manterem no anonimato deve-se ao simples facto de querermos expressar esta “pequena parte do nosso ser” sem sermos discriminados por isso. E verdade seja dita, que nenhum crime é cometido com a publicação destes textos.

Estes textos só podem ser vistos como maus por uma comunidade tacanha que vive de aparências. Eu dou um exemplo ao leitor: se eu escrever, numa sátira: “pedofilia tudo bem, paneleiragem é que não!” certamente que vou ser criticado por isso. No entanto é uma sátira. A lógica dessa afirmação é inverter os valores e gozar com eles. Não tem como finalidade a discriminação de nenhum grupo. Por outro lado, os altos representantes religiosos podem fazer afirmações que incentivem a discriminação e o ódio contra determinados grupos e ninguém protesta avisando que o direito de expressão não contempla a expressão do ódio.

Várias críticas poderiam ser feitas àqueles que apoiam quem tanto prejudicou o autor do Dissidências. Desde a violação do direito da liberdade de expressão (que não contempla a expressão do ódio!) ao facto de vivermos num país laico onde as nossas opiniões relativamente à Igreja não deveriam influenciar os empregos a que temos acesso ou as promoções que merecemos e muito menos a promoção da discriminação de igualdade de oportunidades. Tudo isto é, sem dúvida, negativo.

No entanto, na minha opinião nem é o mais grave que aqui está em causa. O mais grave de tudo é que estes blogues são uma manifestação da criatividade dos membros que compõem a sociedade portuguesa. E nunca deveríamos restringir a expressão dessa criatividade, na medida, que isso representa a morte da mesma. Uma sociedade não se torna mais criativa, não diversifica os seus interesses restringindo-se a noções patéticas do politicamente correcto.

No fundo, esta disputa representa o grande problema do nosso portugalito actual: não produzimos nada, não temos abertura cultural e ostracizamos quem procura essa abertura ou quem tenta produzir.

A nossa cultura é fechada. Não admite originalidade nem criatividade. As nossas noções do que deve ser um bom profissional estão mais associadas a um determinado tipo de comportamento obrigatório à mesa ou indumentária considerada politicamente correcta.

Conheço escolas superiores em Portugal, onde os professores não podem dar aulas de ténis. Isso é profundamente errado. Mas qualquer professor que deixe o power point dar as aulas por eles e assim assassinar todas as noções de pedagogia recebe um salário e um grande sorriso de muito obrigado. Não se exige aos professores que saibam dar aulas, que saibam estimular os alunos mas sim que se saibam vestir para representarem decentemente o seu estatuto de seres superiores e benéficos à sociedade. A sociedade portuguesa vive mais de aparências que conteúdo.

Vejo a defesa do Dissidências como uma luta que afecta o núcleo da nossa cultura. O choque entre uma cultura clássica, vitoriana e socialmente rígida e uma cultura mais dinâmica. E esta luta, na minha opinião, pode ajudar a mudar o que realmente está de errado no nosso país: já pensaram como seria se o nosso 1º ministro estivesse mais preocupado em conhecer os problemas do país do que em comprar uma licenciatura em engenharia? Que vergonha ser 1º ministro e não poder usar o título de engenheiro! Em Portugal a aparência do politicamente correcto é o conteúdo. A pessoa não vale pelas suas ideias mas sim pelo seu estatuto ou pelo canudo que carrega.

Uma sociedade livre, democrática e com capacidade de progressão é aquela que oferece aos seus membros a liberdade necessária para se espressarem, é aquela que providencia os meios e apoia os seus membros mais criativos. É aquela que não vive de divisórias sociais retrógradas como as existentes em Portugal (como um aluno meu dizia, em Portugal, se não fores médico, juiz ou padre não és ninguém!). Por isso eu sou a favor do Dissidências.

2 comentários:

  1. 2009-07-27 17:48:11
    mas também pode ser um grande embuste.
    As razões podem ser bem mais prosaicas e válidas, como por exemplo, não ter feito aquilo para que lhe pagaram para fazer, ou não ter feito um trabalho ao nível do mínimo para que seja aprovado.

    Para podermos ajuizar, teremos de ter as versões de ambos os lados e já está disponível a versão do departamento em

    http://www.megaupload.com/?d=XXG5S4KI

    seria interessante a sua leitura para comentários futuros mais informados.

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  2. 2009-07-27 23:19:24
    Obrigado joaquim por disponibilizares esta informação a mim e aos leitores deste blogue. No entanto, creio que este tipo de informação já tinha sido discutida. Não me lembro de ler nada que afirmasse que o Dissidências (Daniel Luis) tivesse as coisas em dia. A questão que se coloca é se outros colegas nas mesmas circunstâncias foram aceites. É evidente que isto pode ser somente uma manipulação por parte do Dissidências de forma a não perder o emprego, mas sem saber se existiu realmente discriminação na comparação de colegas não podemos afirmar isso. O facto do Daniel Luis ter sido obrigado a fechar o blogue no passado é na minha opinião um factor que me faz acreditar no Luis. O que está em causa não é o facto dele não ter o trabalho completo. Em causa estão duas coisas:
    1 - está provado que a universidade o obrigou a fechar o blogue e depois de pressão pública admitiu que o voltasse a abrir.
    2 - de acordo com o Daniel Luis colegas nas mesmas circunstâncias que ele viram o seu prazo prorrogado. Eu tendo a acreditar (sem provas) nesta última afirmação porque a história passada indica que isso é mais provável.

    Finalmente gostaria de salientar que o meu texto não é só uma defesa do Daniel Luis (Dissidências) mas sim uma defesa da liberdade de expressão. E qualquer um de nós sabe que Portugal ainda tem uma cultura muito ortodoxa onde a inovação e a criatividade nem sempre são bem recebidas. Especialmente quando violam alguns tabus sociais.

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