quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A Igreja é diferente - parte I

“Many Rwandan Catholics believe the Church let them down in 1994”[i]

Alguns católicos têm a ideia que a religião católica é superior em todas as outras na sua conduta ética. Encontrei há uns dias um desses católicos que muito criticava hábitos sociais de outras confissões religiosas (não digo qual era porque algum iluminado divino me vem deixar uma bomba à porta de casa). A intolerância, a agressividade são algumas das características muito criticadas. Em particular quando abordamos a problemática do direito das mulheres.

É sabido que em muitos países muçulmanos (oopssss… descaí-me) as mulheres são mal tratadas e não lhes é permitido estudar ou ganharem independência económica. Vários casos passaram para a comunidade internacional. Na Índia (é um país hindu mas a história passou-se com tribos árabes), após um rapaz de 13 anos ter sido visto, em público, de mãos dadas com uma rapariga de outra tribo, o grupo de anciãos juntou-se e condenou a irmã do rapaz a ser violada. Na Palestina uma rapariga foi violada e em consequência a família regou-a com gasolina e ateou-lhe fogo pela desonra causada. Após ter sobrevivido foi-lhe proibida a entrada em 2 hospitais públicos. Foi aceite no 3º hospital onde a mãe ainda a tentou matar para restaurar a honra da família. Casos destes escandalizaram a opinião pública mundial e mancharam, e mancham, a história e cultura islâmica.

Parece que o meu interlocutor ficou um pouco chateado quando lhe disse que a Igreja era exactamente igual a todas as outras confissões religiosas. Que não era melhor nem pior. Que o que realmente fazia diferença não era a “marca” da religião mas sim a liberdade que a sociedade laica lhe oferecia. Ficou ainda mais incomodado quando lhe referi que o problema não era aquela religião mas sim a religião. Passo-me a explicar melhor. Se decidirmos analisar o comportamento da Igreja católica em diferentes partes do mundo podemos observar uma discrepância nos seus valores e no seu discurso.

Na Europa, rica e instruída, a religião não tem muito espaço de manobra. O Papa quando criticou a ciência foi atacado por todos os sectores da sociedade civil. Quando fala da família tradicional é atacado pelos grupos de defesa dos direitos da mulher e quando ataca a homossexualidade é atacado pelos grupos de defesa dos homossexuais.

Apesar deste papa, herdeiro da Santa Inquisição, já ter feito imensas declarações ridículas viu-se sempre bastante atacado. O estado laico retira poder à religião e permite às pessoas criarem uma série de identidades que fogem da esfera de influência da religião. Isto indica que a Igreja é obrigada a adaptar o seu discurso aos fiéis na medida em que, mesmo estes, tem liberdade para não aceitar tudo o que venha da Santa (?) Sé. A resposta da Espanha Católica, às afirmações parvas de Sua Santidade, relativamente ao uso do preservativo, em África, é bastante demonstrativo.

O que se passa na Europa não se passa noutras partes do mundo. O cardeal Wamala afirmou que todas as mulheres que morressem de SIDA como consequência de recusarem sexo protegido com os maridos seropositivos, deveriam ser santificadas. O que aconteceria se esta afirmação fosse feita pelo patriarca de Lisboa? Ou pelo bispo de Paris? Ou pelo Papa, em plena Londres? Na Europa este tipo de afirmações são escandalosas e nunca seriam permitidas. O Papa poderia faze-la mas seria atacado por todos os quadrantes da sociedade civil e muito provavelmente veria o número de fiéis descontentes aumentar. Perguntem aos espanhóis, portugueses, franceses e italianos!

Hitchens afirma ter um vídeo onde se vê o cardeal Alfonso Lopez de Trujillo, “o presidente do Conselho Pontificial para a Família no Vaticano” avisar as crentes de que os preservativos eram prooduzidos com buracos microcóspicos por onde o vírus da SIDA podia passar[ii]. São bem conhecidas as polémicas da Igreja em relação ao uso do preservativo e é público que altos dignatários do Vaticano – Cardeal Obando y Bravo da Nicarágua ou o Cardeal Emmanuel Wamala do Uganda – avisam os seus crentes relativamente a estas deficiências na produção do preservativo.

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS


[i] http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/7292081.stm

[ii] Hitchens C. Deus não é grande. Publicações Dom Quixote. 2007. Pág. 61

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