sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A Telepatia do telefone

Imensas pessoas falam sobre poderes ocultos da mente. Muitas vezes, afirmam, que já existem estudos científicos a comprovarem esses mesmos poderes e que só não são aceites pela maioria devido à falta de abertura de espírito da comunidade científica. As pessoas nem sequer dão conta do contra senso que é esta afirmação, na maioria das vezes: supostamente um estudo científico é realizado com resultados surpreendentes e a comunidade científica não lhe presta atenção nenhuma. Se estes efeitos pudessem ser medidos e validade cientificamente, o leitor acha mesmo que os cientistas o iam deixar passar despercebido? Se alguém conseguisse provar esses fenómenos e explicá-los, não só receberia prémios importantes como tinha trabalho para o resto da vida e atingiria a imortalidade no panteão dos génios científicos.

Mas este artigo não é para se debruçar sobre estudos duvidosos ou inexistentes ou sobre a falta de vontade de cientistas perderem o seu tempo com esses estudos. É sobre muitas das supostas provas que existem e são perceptíveis no dia a dia. Além dos estudos científicos que “já provaram” a existência da telepatia, e além da comunidade cientifica saber que isso é uma fraude, existem alegações relativamente a efeitos telepáticos no dia a dia.



De certeza que já pensou em alguém e enquanto pensava nessa pessoa o telefone tocou. Que curioso: é a mesma pessoa que distraía a sua mente. É aquilo a que eu chamo a “telepatia do telefone”. Como é possível que ao pensar numa pessoa ela me ligue? Será que estou conectado com essa pessoa a um nível mais profundo? Poderá existir algo que nos ligue e que não seja perceptível ao nosso senso comum nem aos instrumentos científicos? Estas interrogações deixam-nos felizes e são algo em que gostamos de acreditar, por isso lhe damos tanta atenção.

Infelizmente há sempre aqueles desmancha prazeres, como eu, que gostam de pensar de forma diferente. Em vez de pensar em algo que nos ligue de forma muito subtil vamos pensar em estatística. É um pensamento muito desumano pensar que algo tão fútil como a estatística poderá explicar ou contrapor uma prova tão forte como a apresentada: bem, neste momento devo avisar o leitor que para existirem provas a favor destes fenómenos, os dados tem de ser trabalhados com métodos estatísticos. E não vale de nada deixar a estatística de lado quando não nos interessa e usá-la quando muito nos apraz. De qualquer forma, este é um exercício muito simples que peço ao leitor para fazer.

Vamos supor que esses momentos são fenómenos estatísticos. Ou seja, são fenómenos sem importância nenhuma, que não provam nada mas que o nosso cérebro tem mania de memorizar. Façamos 3 perguntas muito simples: quantas vezes pensei naquela pessoa e o telefone não ligou? Quantas vezes pensei naquela pessoa e ela me ligou? Quantas vezes eu não pensava nessa pessoa e ela me ligou? O nosso cérebro memoriza somente a resposta à segunda questão (pensar e receber o telefonema), mas não liga minimamente às outras 2 (pensar e não receber telefonema; não pensar e receber telefonema). O cérebro não tem capacidade para guardar toda esta informação.

Mas se estes dados fossem quantificados então o leitor teria uma surpresa. A primeira questão é um pouco difícil de avaliar: “quantas vezes pensei naquela pessoa e o telefone não ligou?” É difícil porque quando se colocar a pensar nisto de certeza que não vai parar de pensar nessa pessoa. De qualquer forma pode contabilizar os dados quando se lembrar de uma pessoa e ela não ligar e não contabiliza os dados imediatamente a seguir.

A segunda e terceiras são fáceis de contabilizar. Basta anotar o número de vezes que aquela pessoa ligou e anotar de seguida se estavam ou não a pensar nela. Depois de terem os dados podem observar qual a média. No final do tratamento estatístico podem colocar uma questão muito simples: será que os resultados obtidos são relevantes?

Obviamente que também é importante dar atenção a outros aspectos. Muitos defensores destas teorias mais esotéricas – mas provadas cientificamente! – alegam que estes fenómenos são mais prováveis ocorrer com 2 pessoas muito ligadas: um casal de namorados, marido e mulher, irmãos, mãe e filho, etc… No entanto, este é um fenómeno perfeitamente natural. Eu penso mais vezes nas pessoas que me são próximas do que naquelas que vi uma vez há não sei quantos anos atrás. E a probabilidade de receber um telefonema de alguém que seja próximo quando penso nela é maior porque, essa pessoa que me é próxima, tem mais razões para me ligar.

Vamos supor que 2 pessoas se conhecem num jantar de amigos. Falam sobre diferentes assuntos e no final do jantar o convidado A sente-se irremediavelmente atraído pela convidada B, seja pela sua beleza, pelo seu carisma, etc… Mas a convidada B não deu nenhuma atenção ao convidado A. É perfeitamente natural que o convidado A pense na convidada B imensas vezes, num futuro próximo e algumas vezes num futuro longínquo, mas não seja correspondido com nenhum telefonema. No entanto, se se tornarem amigos e começarem a encontrar-se mais vezes é provável que o fenómeno da “telepatia do telefone” aconteça. Mas acontece porque as pessoas pensam mais umas nas outras (por passarem mais tempo juntas) e tem mais razões para ligar umas às outras. Aquilo que muitos acreditam ser um fenómeno que transcende a razão e engenharias humanas é no fundo um simples fenómeno estatístico. Uma mentira do nosso cérebro. Talvez devêssemos pensar mais em estatística e neurobiologia do que em telepatia.

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