domingo, 18 de outubro de 2009

Telepatia e matemática

Recentemente, uma prima enviou-me um jogo por mail. Esse jogo era sobre telepatia virtual. Um mágico chamado Kardini conseguia descobrir qual o símbolo em que eu pensava. O jogo decorre da seguinte maneira: O leitor pensa num número de 2 digitos (80, 40, 32, etc…), subtrai desse número os seus dígitos (30-3=27 ou 55-5-5=45) e pensa no símbolo correspondente a esse número (o símbolo é dado numa tabela). O leitor não tem hipótese. Kardini acerta sempre.

Pode encontrar o jogo no seguinte link: http://kardini.fateback.com/telepatiav.htm.
Este link também se encontra na categoria de jogos nos links do blogue. Evidentemente que este é só um jogo e, apesar de engraçado, ninguém o leva a sério. Ninguêm (espero eu!) acredita que este é um exemplo de telepatia. No entanto as pessoas costumam acreditar neste tipo de poderes. Escrevo este texto para mostrar aos leitores como um cientista se deveria comportar face a este jogo. Caso o leitor decida procurar a resposta por si aconselho a não ler o resto até ter achado a resposta.



Primeiro passo: Kardini afirma que possui poderes telepáticos. O cientista ouviu as regras do jogo e decidiu comprovar por si mesmo se era verdade ou não. Começa a fazer o jogo e repara que Kardini acerta sempre. Impressionante. Mas depois começam a surgir umas dúvidas: porque é que a telepatia de Kardini só funciona com números de 2 digitos? Porque não com 1 digito ou com 3? Algo cheira mal. Outras questões começam a deambular pela mente do cientista. Porque é que é necessário subtrair os dígitos do número escolhido? Porque é que Karini não lê os números nas cabeças das pessoas e só lê símbolos?

2º passo: o cientista formula uma hipótese de trabalho com base nas suas dúvidas. O primeiro teste que ele faz consiste em não pensar num símbolo e esperar que Kardini consiga ler o seu pensamento. Infelizmente Kardini continua a ver símbolos. O leitor faça essa experiência: carrega várias vezes no botão vermelho do jogo e vai ver símbolos novos a sair sistematicamente sem o leitor estar a pensar em nenhum símbolo. Para a experiência científica ser realmente válida procure carregar no botão vermelho sem mostrar no visor do computador a lista de símbolos: desta forma ninguém pode dizer que realmente pensou num símbolo.

A sua segunda experiência está relacionada com as dúvidas que surgiram devido à necessidade de subtrair os dígitos do número escolhido. Por exemplo se escolher o número 80 fica 80-8=72. No entanto, como o leitor sabe alguma matemática, repara que 81-1-8=72. Estranho deu exactamente o mesmo número! De 80 a 89 o resultado final é sempre o mesmo. 89-9-8=72. Por isso Kardini pensa em símbolos e não em números. Se fosse pensar em números o leitor facilmente veria que chegava sempre ao mesmo resultado. No entanto 40-4 não é igual a 72. Tem razão é 36. Se subtrair os dígitos dos números 41, 41… 49 obtêm sempre 36.

O que tem estes 2 resultados em comum? Bem 36 e 72 encontram-se na tabuada dos 9. Voilá, encontrou o segredo. Aqui fica a sequência de números da tabuada dos nove: (9, 18, 27, 36, 45, 54, 63, 72, 81). Qualquer conta que faça com 2 digitos vai obter sempre um destes valores. Posso dar vários exemplos: 23-3-2=18; 29-9-2=18; 55-5-5=45 e por aí fora.

Os símbolos são sempre diferentes. Este é que é o segredo para manter o leitor distraído. É magia. Enquanto pensar nos símbolos não pensa nos números e também não pensa que em cada jogada os símbolos mudam de lugar. Face a isto decidi tornar-me telepata e vou ler o pensamento do Karini: ele só pensa em símbolos que se encontrem nos números da tabuada dos nove. Pode ver no jogo que os números da tabuada dos nove têm sempre o mesmo símbolo.

Existia outra maneira de analisar isto. Bastava carregar o número de vezes suficiente no botão vermelho a pensar sempre no mesmo ponto. Facilmente chegaria à conclusão que o número é o segredo e o símbolo a distracção.

Obviamente que não escrevo este texto para falar mal de Karini. Fez uma brincadeira na net muito engraçada e que diverte toda a gente. No entanto este texto chama a atenção para a necessidade de não acreditar neste tipo de coisas sem as questionar e investigar em primeiro lugar. Há sempre 3 componentes principais: o conhecimento da ciência (neste caso simples, bastou a tabuada dos nove), conhecimento da magia (neste caso saber o que é a distracção, ou a forma como o mágico nos tenta distrair) e acima de tudo muito cepticismo saudável e informado.

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