Foram 70 000… mais a Virgem Maria

Por vezes entro em algumas discussões com católicos sobre o milagre de Fátima e quando digo que o milagre é uma fraude todos eles me dizem que está provado que aconteceu. A grande prova de que realmente aconteceu deve-se essencialmente ao “facto” do milagre ter sido presenciado por 70 000 pessoas, muitas das quais não acreditavam na possibilidade de milagre. Este texto serve para analisar essa fantástica prova.

O que sabemos exactamente acerca desta tão esmagadora prova? Sabemos que se encontravam, no local, perto de 70 000 pessoas. Ao contrário do que se diz a grande maioria acreditava plenamente no milagre ou, como iremos ver mais à frente, nem se dariam ao trabalho de uma deslocação penosa até Cova da Iria.

Mas peguemos no número. É difícil não acreditar num fenómeno presenciado por 70 000 pessoas (muito poucas das quais tinham dúvidas quanto à sua concretização!). É impressionante: 70 000 pessoas viram o Sol mover-se no céu. O que me incomoda não é saber que 70 000 pessoas viram o Sol mover-se no céu. O que realmente me incomoda é saber que mais de 70 000 000 não viram absolutamente nada. Parece que a Virgem Maria definiu um espaço shengen específico para visionamento do milagre; todos aqueles que se encontrarem fora dos 100 metros quadrados marcados por Mim não podem ver o milagre.

Curiosamente os meus interlocutores nunca se interrogaram a razão pela qual mais de 70 milhões de pessoas não viram absolutamente nada. Somente as pessoas que foram a Cova da Iria e que ficaram sujeitas a toda a histeria associada às aparições Marianas é que viram o Sol mover-se. Se 70 000 são prova viva de que existiu um milagre, então o que são 70 000 000?

Outro aspecto importante da propaganda de Fátima consiste em fazer-nos acreditar que a grande maioria das pessoas não acreditava na ocorrência do milagre. Eram cépticos. Uma análise da época poderá ajudar a resolver a questão. Comparemos com o nosso tempo actual. Com os nossos carros, as nossas auto-estradas e o acesso a combustível fóssil eu, partindo de Lisboa, consigo chegar a Fátima em 2 horas ou um pouco menos. Sabendo que tenho 2 licenciaturas (portanto, sei ler e escrever… o suficiente para ter este blog!), formação científica e algum conhecimento sobre religião e história de religião posso garantir que não me dou ao trabalho de ir a Fátima se aparecerem 3 meninos iletrados a dizerem-me que viram a Virgem.

No início do século não existiam as estradas que existem hoje (Portugal ainda não tinha fundos da União Europeia para desperdiçar!), não existiam carros velozes e confortáveis como hoje e acima de tudo não existia uma população com níveis de instrução semelhantes aos actuais. A população na altura, era altamente dominada pelas crenças e ensinamentos católicos, analfabeta e sem formação científica de qualquer tipo.

Imensas pessoas fizeram grandes sacrifícios para poderem estar presentes na Cova da Iria. Fizeram viagens que demoraram dias, andaram a pé, a cavalo ou a burro. Alguns, poucos, viajaram de carro, numa viagem, um pouco mais atribulada do que aquelas a que estamos habituados. Muitas pessoas deixaram para trás os seus campos para poderem estar presentes. E o que realmente interessa, a grande maioria destas pessoas eram analfabetas e dominadas pelo pensamento católico.

Que grau de ingenuidade será necessário para acreditar que no início do século XX 70 000 pessoas iletradas, cujo pensamento era dominado pelos ensinamentos da Igreja Católica, fazem um esforço enorme para estar na Cova da Iria porque não acreditam no milagre? Esta questão deveria ser seriamente pensada por todos os defensores dessa mentira.

O milagre de Fátima não foi nenhum milagre. E não chega 70 000 pessoas, nas condições que já se observaram, afirmarem ter visto o milagre. Mais não seja porque o número daquelas que não viram é muito superior às que supostamente viram. Fátima é um fenómeno sem dúvida. Mas não um fenómeno religioso. É acima de tudo, um fenómeno clínico. É o único fenómeno de histeria colectiva que tenha englobado tantas pessoas num tão curto espaço de tempo. É um fenómeno histórico, na medida, que mostrou o impacto que a histeria colectiva de pessoas iletradas e altamente religiosas pode ter em sociedades futuras menos religiosas e com maior formação académica. Mas não é um milagre.